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Só o Novembro deve ser Azul?

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Por Gustavo Sinhorini Menegon - estagiário do Núcleo Evoluir

            O mês de Novembro, quando o assunto  saúde pública, é marcado pela cor azul com o objetivo de reforçar a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata. De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2019), o câncer de próstata é o segundo tipo de câncer que mais atinge homens no Brasil (atrás apenas do câncer de pele), sendo registrados em torno de 69 mil novos casos por ano. Para piorar, a incidência de câncer de pele tem aumentado significativamente nos últimos anos (GUERRA et al., 2005) e, ainda que o Novembro Azul seja uma campanha de prevenção de âmbito mundial, existe uma certa resistência por parte dos homens em realizar os exames preventivos.

            O toque retal ainda é uma das principais medidas de prevenção precoce do câncer de próstata, e isso tange muito ao que é considerado “ser homem” em nossa cultura. O fato de esse exame ser associado a práticas sexuais homoafetivas continua sendo um obstáculo para a prevenção do câncer de próstata, uma vez que exercício da masculinidade é encarado por muitos como a negação de características que são consideradas “femininas” ou quaisquer outras que fujam da ideia de “homem ideal”, viril e másculo (NASCIMENTO, 2005). Essa insegurança quanto à masculinidade está presente no relato de vários homens ao expressarem como se sentem diante da possibilidade de realizarem o toque retal, independente do grau de escolaridade (GOMES et al., 2006)

            Além disso, a influência desta “masculinidade tóxica” não é restrita à prevenção do câncer de próstata, mas se estende a todo o cuidado do homem para com sua saúde de maneira geral. A maior parte das internações em hospitais devido a doenças respiratórias, digestivas, circulatórias e infecciosas são em homens [U1] (BRASIL, 2015). Mesmo existindo programas governamentais voltados especificamente para a saúde do homem, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), a aderência a esses serviços de saúde ainda é baixa. Cavalcanti et al (2014) apresenta alguns fatores que contribuem para esse quadro, como a inserção da maioria dos homens no mercado de trabalho que, somada a ideia de masculinidade, impossibilita os homens de se afastarem do papel de provedor da casa para cuidar da saúde. Os autores também ressaltam que muitos homens tratam sua saúde como algo secundário ou algo que pode ser negligenciado frente as suas outras responsabilidades, bem como a própria dificuldade  em reconhecerem que têm problemas de saúde e aceitarem auxílio para tratá-los.

            O Novembro Azul, apesar de ser uma campanha de prevenção fundamental, é apenas o início do longo caminho que é promover a saúde dos homens. Falar sobre saúde do homem é falar sobre cultura de masculinidade e como isso afeta direta e indiretamente o acesso aos serviços de saúde pública e o próprio cuidado dessas pessoas consigo mesmas. Cuidar-se não deveria ser sinônimo de fraqueza, como é visto sob a ótica patriarcal tão presente na nossa cultura, mas de coragem e enfrentamento. O processo de adoecimento traz sofrimento para qualquer pessoa que passa por ele e, se o compartilhamento desse sofrimento é pouco aceito ou até punido, a dificuldade que os homens têm para olhar para sua saúde crescerá cada vez mais.

            Embora não seja fácil falar sobre masculinidade, uma vez que muitos homens se mostrarão resistentes a essa discussão, não há outro meio de reduzir as estatísticas de adoecimento e mortalidade masculina. Essa discussão deve ser feita tanto no âmbito individual quanto no coletivo para realmente transformar a noção problemática de que “ser homem” é ser invencível, invulnerável. Se conseguimos trazer um pouco desses questionamentos no mês de Novembro, porque não estender a cor azul aos outros meses do ano?    

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Dados de Morbimortalidade Masculina no Brasil. Brasília, DF, 2015.

CAVALCANTI, J. R.; Ferreira J. A.; Henriques A. H. B.; Morais G. S. N.; Trigueiro J. V. S.; Torquato I. M. B. Assistência Integral a Saúde do Homem: necessidades, obstáculos e estratégias de enfrentamento. Escola. Anna Nery Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 628-634, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452014000400628&lng=en&nrm=iso>.

GOMES, Romeu et al. As arranhaduras da masculinidade: uma discussão sobre o toque retal como medida de prevenção do câncer prostático. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 13, n. 6, p. 1975-1984, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232008000600033&lng=en&nrm=iso.

GUERRA, M. R.; GALLO, C. V. M.; MENDONÇA, G. A. S. Risco de câncer no Brasil: tendências e estudos epidemiológicos mais recentes. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v, 51, n. 3, p. 227-234, 2005. Disponível em: http://files.rachelmarins.webnode.com.br/200000020-3c6b73d65a/Risco%20de%20C%C3%A2ncer%20no%20Brasil%20-%20estudos%20epidemiol%C3%B3gicos,%202005.pdf

INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER. INCA. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-prostata

NASCIMENTO, M. R. Câncer de próstata e masculinidade: motivações e barreiras para a realização do diagnóstico precoce da doença.Núcleo de Estudos de População– Unicamp, 2005. Disponível em: http://www.abesp.nepo.unicamp.br