Notícia RELEASE


Somos resistentes incessantes

Arte/Núcleo Evoluir

“Psicologia é coisa de gente louca”. “Eu sei resolver os meus problemas”. “Não preciso pagar para ser ouvido”. Por muito tempo, diversos estigmas e preconceitos foram calcados no imaginário coletivo a respeito da profissão do psicólogo. Diante da visibilidade e ampliação da psicologia, a sociedade tem se conectado cada vez mais com esse trabalho e frases como essas não causam tanto efeito como antigamente. A importância deste profissional da saúde tem se mostrado, principalmente, quando outras áreas de atuação foram desenvolvidas para atender as mais variadas parcelas da população. Além da área clínica, o trabalho é realizado no contexto escolar, organizacional, hospitalar, docente, jurídico, do esporte, do trânsito, comunitário, social, da pesquisa, entre outros. Os diferentes campos da psicologia têm demarcado cada vez mais as suas características e a sua identidade. 

Na década de 80, a aproximação do psicólogo a questões sociais direcionou uma grande parcela desses profissionais a instituições públicas de saúde, rompendo com os estereótipos “elitistas” da profissão.  Em tempos de exaltação do individualismo, a psicologia destacou a importância do fortalecimento do coletivo, da visão de cidadãos que possuem direitos e que a psicologia é capaz de construir práticas voltadas para a promoção da saúde pública e estar comprometida com o bem-estar social.  As ações no âmbito da atenção básica também têm se estendido à prática psicológica, que volta a sua atuação à promoção da qualidade de vida por meio de mudança de hábitos individuais. Assim, nesse contexto, o psicólogo tornou-se responsável pela efetivação dessa política pública que é calcada no direito a vida, ao qual todo cidadão é amparado. 

Diante desse cenário, a articulação das diretrizes da psicologia com os direitos humanos é um tema que tem sido largamente discutido entre colaboradores do Conselho Federal de Psicologia (CFP). O principal propósito dessas ações consiste em aplicar princípios éticos e realizar uma abordagem psicológica das políticas públicas para que os direitos humanos não sejam fundamentados unicamente a práticas legislativas, mas que tenham considerações éticas sobre o que é justo perante as diversificações e individualidades dos sujeitos no âmbito social. Uma vez inviolável o direito à qualidade de vida, o psicólogo pode assumir um papel de extrema relevância nessa garantia.  

Conforme as práticas psicológicas foram ganhando força no seu desenvolvimento, mais distantes elas se colocavam de modelos biomédicos, que visam o diagnóstico, a higienização e normalização dos sujeitos e mais próximas se situavam de modelos que consideravam a complexidade do sujeito. 

Não é novidade que, na psicologia, a individualidade é uma premissa imprescindível na consideração do ser humano enquanto sujeito construído a partir de suas relações. O seu modo de se comportar frente ao mundo é único perante os outros, pois a funcionalidade que cada contexto possui no seu amplo repertório de experiências depende unicamente do significado que lhe são atribuídos. A psicologia compreende que cada sujeito tem uma visão particular sobre determinado fenômeno, por mais que existam padrões dominantes de pensamento e atuação em determinada cultura, trabalho, religião ou família.

Hoje, a psicologia resiste a outras tendências e pressões sócio-político-culturais. O grande desafio da profissão tem tido como principal foco o confronto com padrões normativos de conduta e cura, buscando romper o processo da patologização desmedida da vida. Esse caminho contrário à evolução tem sido cada vez mais percorrido na contemporaneidade, apagando toda a árdua e longa trajetória que a psicologia tem percorrido até aqui.

Os avanços sobre os modelos das práticas psicológicas estão sendo brutalmente confrontados por uma sociedade que está regredindo a panoramas preconceituosos do século XIX. A posição sociopolítica sobre padrões de normalidade e ajustamento introduz, cada vez mais, os sujeitos a processos mecânicos e homogeneizantes, desconsiderando as suas razões ontogênicas para se comportarem e favorecendo o surgimento de sentimentos de anormalidade. Por mais que a inserção dos psicólogos em diversos âmbitos já tenha demonstrado a eficiência do seu trabalho, a psicologia assume hoje, obrigatoriamente, uma nova responsabilidade: a luta incessante de empregar cada vez mais voz em uma sociedade que está se opondo ao progresso. 

O respaldo psicológico a atletas tem mostrado que a instabilidade emocional de um time de futebol não é produto de “frescura”, mas que a sua saúde psicológica para um bom desempenho é tão importante quanto um treino intensivo ou alimentação balanceada. A psicologia jurídica mostra que, em um julgamento criminal, é imprescindível descrever a um juiz como o comportamento criminoso é aprendido, evocado e mantido no repertório comportamental do sujeito. No contexto escolar, conhecer histórias de vida que envolve comportamentos de rebeldia em sala de aula pode evidenciar violência às crianças e famílias em situações críticas de pobreza, favorecendo a conscientização na medicação de alunos que não se adaptam a metodologias prévias de aprendizagem.

A luta por uma atuação ética, integralista e que visa, primordialmente, a equidade, tem sido constante entre os profissionais de psicologia e a rede complexa de posições de poder do cenário sociopolítico. Quanto ao seu esforço para ganhar destaque na luta, a psicologia se garante. A eficácia do seu trabalho tem sido demonstrada dia após dia, pois confirma a importância de se considerar a influência das diversidades do modo de ser de cada indivíduo em suas relações. A relevância social do seu trabalho é vista quando as mais diversas camadas da sociedade reconhecem que, em atuação conjunta com outras áreas, a psicologia enriquece práticas que atuam sobre realidades complexas. Os seus objetivos são cumpridos quando um processo se encaminha ao fim com palavras de gratidão e com uma infinitude de portas que foram destrancadas e abertas. 

Questionando mecanismos normalizantes, rompendo barreiras discriminatórias, garantindo direitos humanos a partir de princípios éticos e considerando realidades integrais, a psicologia sempre lutou e ganhou espaço. Hoje, passamos por uma luta acirrada, mas que é composta por profissionais que nunca cederam e não irão ceder por falta de resistência ou por conformidade. O verdadeiro psicólogo é aquele que não se conforma. 

REFERÊNCIAS
BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt; GOMIDE, Paula Inez Cunha. O psicólogo brasileiro: sua atuação e formação profissional. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 9, n. 1, p. 6-15,  1989.  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931989000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em  26  Ago.  2019.  http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98931989000100003. 

Conselho Federal de Psicologia. (1999). Resolução 01/1999. Brasília, DF: Autor. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/ resolucao1999_1.pdf>. Acesso em 26 Ago. 2019.

GESSER, Marivete. Políticas públicas e direitos humanos: desafios à atuação do Psicólogo. Psicol. cienc. prof.,  Brasília, v. 33, p. 66-77, 2013. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932013000500008&lng=en&nrm=iso>. access on  26  Aug.  2019.

PEREIRA, Magali Cecili Surjus. O mundo contemporâneo e o compromisso de psicólogos com a definição de uma nova estética da vida social. SILVEIRA, AF., et al., org. Cidadania e participação social [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. pp. 35-43. ISBN: 978-85-99662-88-5. Disponível em SciELO Books <http://books.scielo.org>. 

SANTOS, Keli Lopes; QUINTANILHA, Bruna Ceruti; DALBELLO-ARAUJO, Maristela. A atuação do psicólogo na promoção da saúde. Psicol. teor. prat.,  São Paulo ,  v. 12, n. 1, p. 181-196,   2010 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872010000100015&lng=pt&nrm=iso>. acesso em  26  ago.  2019.