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Apesar dos avanços na legislação de proteção à mulher, a cada quatro minutos uma mulher é agredida no Brasil. O Dia Internacional do Combate à Violência Contra a Mulher é celebrado anualmente no dia 25 de novembro com o objetivo de voltar a nossa atenção para essa questão que está longe de ser resolvida.
O Mapa da Violência aponta que o Brasil é o quinto país onde mais se mata mulheres, atrás apenas de países como a Rússia, Guatemala, El Salvador e Colômbia. O mesmo levantamento traz também que o feminicídio no Brasil é 48 vezes maior do que no Reino Unido, por exemplo. Tendo em vista a subnotificação da violência de gênero, acredita-se ainda que este número seja muito maior, visto que muitas mulheres não denunciam casos de agressão e estupro, e que muitos dos crimes de feminicídios não são classificados como tal.
Os dados mostram que a criminalização da violência contra a mulher não basta: a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada em agosto de 2006 com o objetivo de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Mais tarde, em 2015, foi aprovada a Lei do Feminicídio (13.104), categorizando o assassinato de mulheres como crime hediondo e estabelecendo penas mais duras para esse ato. O Mapa da Violência mostra, entretanto, que as leis não alcançaram seu objetivo, visto que a taxa de homicídio dessa população segue aumentando: enquanto em 2007 a taxa era de 3,9, em 2015 passou para 4,8.
A condição de desigualdade social das mulheres com relação aos homens é observada em todas as culturas do mundo: não só diferenças biológicas separam homens e mulheres, mas sim a dominação de um gênero sobre o outro, a partir da concepção de que o feminino é inferior ao masculino. Nesse sentido, a violência contra as mulheres é fruto de um funcionamento social marcado pela dominação masculina, o patriarcado, que está na base das representações de gênero que legitimam a desigualdade internalizada por homens e mulheres, assegurando aos homens que perpetuem sua supremacia inclusive por meio de violência. Por esse motivo, ao compreender a dominação masculina como algo natural, muitas mulheres permanecem em relações abusivas e não conseguem romper com a situação de opressão a que estão submetidas. Entender a violência contra a mulher como fruto do modelo patriarcal faz ainda mais sentido quando verificamos que, em cerca de 60% dos casos, a agressão ocorre no ambiente familiar, e grande parte das vezes é cometida pelo próprio parceiro amoroso da vítima.
Além disso, a agressão pode não ser só um tapa: apesar da violência física ser a mais evidente, as mulheres estão submetidas a diferentes tipos de agressão, como a psicológica e sexual. A violência psicológica pode ser de difícil detecção, mas traz prejuízos tão grandes ou ainda maiores que a agressão física, e pode ser manifestada por meio de abuso verbal, intimidação, ameaças, desprezo, controle econômico, etc. Por ser mais sutil, é comum que muitas mulheres não reconheçam que estão passando por uma situação de abuso, o que faz com que elas permaneçam em relações violentas.
Em 2018, foram registrados 66 mil estupros no Brasil, o que corresponde a cerca de 180 casos por dia - destes, em 82% das ocorrências, as vítimas eram mulheres. Há ainda que se considerar que este é um crime de baixa notificação, já que muitas das vítimas se negam a registrar o boletim em decorrência de um sentimento de culpa, com medo de serem desacreditadas, de possíveis retaliações, discriminação, humilhação e preconceito. Segundo o Datafolha, 33% da população acredita que a mulher seja culpada pelo estupro. Imagina-se que o número real de casos seja muito maior, já que a estimativa é de que apenas 10% das ocasiões sejam informadas à polícia. Os dados apontam também que em cerca de 70% dos casos, o abusador é alguém próximo à vítima: é necessário desmistificar a imagem de que o agressor é um homem desconhecido, já que em grande parte das vezes, o estupro acontece dentro de casa.
Já o feminicídio é a forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher, sendo um qualificador do crime de homicídio. É preciso lembrar que nem todo assassinato de mulheres se caracteriza como feminicídio: para isso, é necessário que a motivação do crime seja baseada no gênero, como em situações de violência doméstica - tanto que a maior parte desses crimes são cometidos por parceiros, ex-parceiros ou pessoas da própria família da vítima. Caracterizar esses crimes como feminicídio, e não somente como homicídio, tem o objetivo de visibilizar e evitar a banalização dessa violência, fornecendo estatísticas e viabilizando a criação de políticas públicas.
Apesar de estar presente em todas as culturas, a desigualdade de gênero e a violência contra a mulher não é um fenômeno único, e acontece de forma diferente nos variados contextos. Outro dado do Mapa da Violência mostra que a população negra é vítima prioritária da violência no país, com tendência crescente, enquanto a taxa de mortalidade entre brancas tende a cair. As grandes vítimas da violência de gênero são as mulheres pobres, jovens (entre 18 e 30 anos) e negras. Entre 2003 e 2013, o assassinato de mulheres brancas caiu 9,8%, enquanto o de mulheres negras aumentou 54,2%.
Tendo em vista os dados que apontam que os crimes de agressão física, sexual e feminicídio têm aumentado a cada ano, a despeito da criação de leis sobre isso, chegamos a uma conclusão: só a punição não é suficiente. Além da baixa notificação desses crimes, a taxa de condenação e prisão é ainda inferior: é preciso que essas leis se façam cumprir. Maior do que isso, é necessário uma mudança no funcionamento geral da sociedade que ainda acredita que a mulher merece apanhar ou ser estuprada. É preciso ensinar aos meninos, ainda jovens, a não estuprar. É preciso ensinar as mulheres a reconhecerem situações de abuso e violência para que elas se retirem assim que possível. É preciso ensinar as mulheres de que nada justifica ser violentada, estuprada ou morta: não foi culpa de sua roupa, de onde ela estava ou a hora em que estava. É preciso que todos nós saibamos acolher as mulheres vítimas de violência para que, dessa forma, os casos não deixem de ser notificados por medo do julgamento alheio. Precisamos aprender a nos posicionar frente às violências que presenciamos, e mesmo quando forem entre marido e mulher: nós meteremos a colher! Em uma sociedade machista, não ser machista não basta: devemos ser anti-machismo.
Por Bruna Senhorelli
WAISELFISZ, Júlio Jacob. Mapa da Violência 2015- homicídios de mulheres no Brasil. Brasília: Flacso Brasil, 2015. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf