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Bruna Senhorelli, estagiária do Núcleo Evoluir
Nesta mesma data, 71 anos atrás, era publicada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Para entender a importância desse documento, é preciso remontar ao contexto histórico e político da época: o fim da Segunda Grande Guerra exigia que atitudes fossem tomadas em resposta às atrocidades cometidos durante o nazismo. A primeira metade do século XX havia sido marcada pela violência e pela barbárie, expressas pelo genocídio de diferentes populações: entre eles, judeus, comunistas e homossexuais. O nazismo pregava que apenas uma parcela da população era digna de direitos: a raça ariana - o que justificava a violência e a morte dos sujeitos que não pertencessem à essa classe. Diante disso, o Pós-Guerra representava uma possibilidade de reconstrução dos direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Mas o que esses termos significam, afinal? A universalidade e a indivisibilidade afirmam que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, ou seja: para ser merecedor destes direitos, basta ser humano - não estando condicionado a nenhum outro critério, como “raça”, cor, condição econômica, religião, opinião política etc.
Além de expressar, já em seu artigo primeiro, que todas as pessoas nascem livres e igualmente dotadas de dignidade, o documento também assegura o direito à vida, à liberdade, à segurança, além de condenar a tortura e a escravidão. Postula também o direito à um julgamento independente e imparcial e o direito de ser considerado inocente até que sua culpa seja provada perante a lei. Assegura o direito ao acesso do serviço público de seu país, à educação e à condições justas de trabalho.
Entretanto, mesmo após sete décadas da publicação, muitos desses direitos ainda estão sendo questionados e desrespeitados. Expressões como “bandido bom é bandido morto”, “tá com dó do bandido, leva pra casa” são cada dia mais comuns em discussões nas redes sociais e em encontros de família, e expressam uma indignação geral com os níveis crescentes de violência. Mas será que a saída é combater violência com mais violência? Ao afirmar que os Direitos Humanos devem existir apenas para “Humanos Direitos”, remontamos que apenas uma parcela da população é merecedora de dignidade, e que todos que não estão inclusos nessa parcela podem ser violentados, mortos, ou viver em condições indignas. Isso lhe soa familiar?
A tentativa de resolver o problema da violência com mais punição é, portanto, uma saída simplória para um problema altamente complexo. Além disso, a punição está a cada dia mais atrelada ao retributivismo e à vingança do que à ressocialização. É preciso se atentar para até que ponto a justiça com as próprias mãos é de fato justa.
Apesar do discurso comum de que os direitos humanos só servem para proteger bandido, o que vemos diariamente é que os direitos humanos não estão protegendo ninguém: apesar da abolição da escravatura ter ocorrido há 131 anos e da DUDH assegurar que ninguém será mantido sob esse regime, estima-se que 160.000 pessoas no Brasil estejam trabalhando sob condições análogas à escravidão. Apesar do artigo 5º da Declaração assegurar que ninguém será submetido à tortura ou castigo cruel e desumano, o que observamos é que situações como essas acontecem diariamente dentro de viaturas, prisões e delegacias, e estão direcionadas majoritariamente à uma população específica: os pobres e negros. Apesar do artigo décimo postular que todo ser humano tem direito à uma audiência independente e imparcial, o que vemos diariamente é que pessoas de diferentes classes e cores têm acesso a diferentes julgamentos: enquanto é comum ver jovens negros sendo presos por portar poucas gramas de maconha, grandes esquemas de tráfico passam impunes, contanto que sejam organizados por homens brancos da alta classe, muitas vezes até políticos.
Apesar de estar claro que muitas injustiças continuam sendo cometidas, à despeito da publicação da DUDH, é necessário considerar o seu mérito: a Declaração deixa claro que os abusos aos direitos humanos não devem ser tolerados, e sem ela não haveria condições de cobrar a proteção dos mais vulneráveis, representando um importante instrumento para garantir a dignidade dos indivíduos. O primeiro e mais importante artigo do Código de Ética que rege a profissão do Psicólogo afirma que devemos basear nosso trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. É necessário que, em nossa prática, não sejamos coniventes com a violação de direitos, negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Hoje, no aniversário de 71 anos da publicação, precisamos sim comemorar todos os avanços que foram feitos na proteção dos menos favorecidos, como as mulheres, crianças, negros e refugiados, mas devemos também nos atentar para tudo que ainda deve ser feito, buscando o momento em que poderemos afirmar que os 30 da artigos da Declaração Universal não representam mais um ideal, e sim uma realidade.
Piovesan, F. (2014). Declaração Universal de Direitos Humanos: desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Estudos Jurídicos, 9(2), 31.