Arte/Núcleo Evoluir
Comer é um ato inevitável. Comer é inerente à vida, visto que quem não o faz, falece, seja humano, cachorro, tamanduá, ipê amarelo, cogumelo e até bactéria. É o consumo de nutrientes que fornece energia para um organismo se manter vivo e, dentro de um ponto de vista fisiológico, isso até poderia servir como uma definição para o ato de comer. “Na natureza nada se cria, tudo se transforma” é uma frase muito adequada para resumir esse processo biológico – um organismo vivo transforma os nutrientes que consome na energia que o mantém vivo e, em algum momento, precisará comer novamente para continuar vivendo.
Entretanto conseguir esses nutrientes não é tão simples. Comportar-se é fundamental para se alimentar e, dentro disso, existem uma gama de comportamentos que podem ser elencados com esse objetivo: movimentar-se até o alimento, lutar contra ele, agarrá-lo do alto de uma árvore ou ir até o supermercado mais próximo e abrir um pacotinho da batata chips. Visto que isso pode ser muito custoso, porém essencial, o comportamento de se alimentar controla gigantesca parte da vida dos organismos, principalmente da espécie humana.
Basta olhar para a nossa História: deixamos de caçar e coletar para plantar e domesticar animais há mais de 10 mil anos, cruzamos continentes e oceanos por especiarias séculos atrás e hoje inventamos inúmeras maneiras de tornar nossa alimentação mais fácil e prática, ainda que isso custe nossa saúde e, talvez, nosso planeta. A desnutrição, que sempre foi constante em nossa civilização, atualmente divide espaço com a obesidade e outras doenças crônicas provocadas pelo alto consumo de gorduras não saudáveis, açúcares refinados e conservantes.
Diante disso, ainda é possível dizer que comer é somente consumir nutrientes? O que consumimos aqui no Brasil costuma ser completamente diferente do que pessoas na Índia, em Honduras ou em Madagascar consomem e isso tem um porquê – comer é um ato social. Depende da nossa cultura, da nossa geografia, da nossa história. Esses aspectos abrangem tanto o acesso que temos aos alimentos, como os preparamos e como os consumimos (que atire a primeira pedra o(a) brasileiro(a) que nunca teve dificuldade de comer com hashis).
Além de tudo, comer é um comportamento mantido não só por saciar a fome, mas também pelo prazer que proporciona. São descargas de dopamina e serotonina, substâncias do nosso cérebro responsáveis pelas sensações prazerosas, modeladas pelo contato que temos com a comida ao longo de nossa vida. Não é mistério o porquê sua avó prefere doce de abóbora enquanto você gosta mais de chocolate, ou vice-versa.
Vale ressaltar também a importância da ingestão de nutrientes para além da produção de energia para o corpo. Eles são primordiais para a produção de neurotransmissores que, em déficit ou excesso, podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos psicológicos como depressão e ansiedade. Um corpo que não recebe os nutrientes necessários muito provavelmente irá passar por algum nível de sofrimento físico e/ou psíquico.
Defronte a esse cenário complexo e multifacetado, a atuação do nutricionista é extremamente importante. Quando falamos em saúde, um trabalho interdisciplinar muitas vezes é indispensável e, bem como o psicólogo e o psiquiatra intervêm sobre comportamentos e sentimentos, o nutricionista faz isso de uma forma mais indireta, porém crucial: a partir da nossa alimentação.
É esse profissional que, considerando todos esses diversos fatores, traz possibilidades de mudança pelo ato de comer, respeitando as necessidades de cada pessoa e o contexto em que está inserida. A elaboração de planos alimentares individuais é uma fração fundamental de seu trabalho, porém não é restrito a âmbito clínico. Sua atuação engloba tanto contextos educacionais, de saúde coletiva, industriais e de pesquisa, contudo, e infelizmente, poucas vezes sua figura é lembrada nessas situações.
O nutricionista, como diz a própria palavra, é alguém que nutre, sejam corpos, comportamentos, histórias, relações e, em especial, transformações. Por trás das necessidades nutricionais de um indivíduo que se alimente de determinada forma sempre haverá uma história genética, uma história de vida e uma cultura atuando sobre elas. Cabe a nós decidir se vamos continuar repetindo os modos de vida nos quais nos encontramos ou se vamos buscar meios mais saudáveis e sustentáveis de viver e, para isso, podemos contar sempre com esse alguém.
Referências:
FRANCA, C. L. et al. Contribuições da psicologia e da nutrição para a mudança do comportamento alimentar. Estudos dePsicologia (Natal), v.17, n. 2, p. 337-345, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2012000200019&lng=en&nrm=iso>.
JACKA, F. N.; MYKLETUN, A.; BERK, M. Moving towards a population health approach to the primary prevention of common mental disorders. BMC Medicine, v. 10, n.149, p.1-6, 2012. Disponível em:
<https://bmcmedicine.biomedcentral.com/articles/10.1186/1741-7015-10-149>
RODRIGUES, E. M.; BOOG, M. C. F. Problematização como estratégia de educação nutricional com adolescentes obesos. Caderno de Saúde Pública, v. 22, n. 5, p. 923-931,2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006000500005>
TRICHES, R. M. Promoção do consumo alimentar sustentável no contexto da alimentação escolar. Trabalho, Educação e Saúde, v. 13, n. 3, p. 757-771, 2015. Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/4067/406756978013.pdf>