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Por Bruna Senhorelli, estagiária do Núcleo Evoluir
Em 1982, a ONU instituiu o dia 04 de Junho como Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão. No entanto, essa data não é motivo para comemoração, e sim de reflexão e debate.
Tendemos a recriminar quem agride mulheres, animais, pessoas de diferentes credos, etnias ou orientação sexual. Então, porque consideramos normal bater em uma criança? Por muito tempo a violência contra a criança foi considerada uma prática habitual, sendo aceita e justificada socialmente pelo seu “intuito disciplinar”, sendo vinculada ao processo educativo. O reconhecimento dessa prática como um problema e a defesa dos direitos da criança são relativamente recentes. No Brasil, a implementação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em 1990 passou a assegurar em lei a proteção integral de crianças e adolescentes brasileiros, representando um marco no enfrentamento dos maus-tratos contra essa população.
Os maus-tratos não se resumem só à agressão física: a negligência e os abusos sexuais e psicológicos também são formas de violência as quais as crianças são frequentemente submetidas. Na maioria das vezes, a violência ocorre dentro de casa: segundo dados da UNICEF, 80% das agressões físicas contra crianças e adolescentes são causadas por parentes próximos. Entre as práticas mais recorrentes, estão o afogamento, espancamento, envenenamento, encarceramento e queimadura.
A aprovação da Lei n° 13.010 em 2014, conhecida popularmente como “Lei da Palmada”, trouxe muita polêmica e repercute até os dias atuais. A legislação que tem como objetivo proibir qualquer punição corporal como meio educacional representou um avanço na luta contra a violência infantil, na tentativa de romper com a aceitação e banalização do uso de castigos físicos contra crianças. No entanto, há muito o que ser feito: no nosso país, a violência é a maior causa de morte em jovens e crianças de cinco a dezenove anos, configurando-se como um importante problema de saúde pública.
Combater a agressão infantil é uma tarefa difícil, visto que na maioria das vezes as vítimas mantém a agressão em segredo, seja por medo ou vergonha. Dessa forma, se faz necessário que toda a sociedade zele pela segurança das crianças, estando atentos e vigilantes à quaisquer sinais de violência. Em decorrência disso, em 2001, o Ministério da Saúde determinou que os profissionais da saúde notifiquem imediatamente qualquer forma de violência contra crianças e adolescentes.
? As consequências da violência infantil podem ir muito além de uma cicatriz. Entre os prejuízos acarretados pelos maus-tratos na infância estão défices no desenvolvimento intelectual, cognitivo, social, físico e sexual, dificuldades na regulação emocional, problemas interpessoais em contexto escolar e familiar, baixa auto-estima e até suicídio. Além disso, diversas pesquisas apontam que a ocorrência de agressão durante a infância pode ser um fator de risco para o desenvolvimento de depressão, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de personalidade, abuso ou dependência de álcool, transtornos alimentares entre outras psicopatologias.
?Apesar de a punição corporal produzir um efeito imediato que mantém a utilização desta prática, ela também produz alguns efeitos nocivos, como a raiva, medo e isolamento. Após ser punida, a criança pode generalizar aquele evento ruim para quem o aplicou, passando a sentir medo, raiva e evitando ficar perto de seus pais, além de não seguir suas orientações quando quem lhe puniu não está vigiando. Além disso, punir um comportamento inadequado não faz com que o comportamento adequado apareça, pois a punição não ensina nenhum comportamento novo, apenas suprime o antigo: a criança não aprende ao apanhar pois não tem a oportunidade de aprender a fazer diferente.
Ao utilizar da punição para educar os filhos, os pais estão lhes fornecendo um modelo de agressividade, que poderão vir a ser agressivos no futuro. Se você bate em seu filho porque foi criado assim, está reproduzindo o exemplo que seus pais lhe deram e ensinando ao seu filho que a violência é a única maneira de solucionar os problemas. ?Deve-se lembrar, no entanto, que evitar o uso de punição não é sinônimo de uma criação sem limites: estabelecer limites é ensinar à criança o que é e o que não é permitido. No entanto, é mais eficaz ensinar e valorizar os comportamentos desejáveis e adequados do que punir um comportamento inadequado.
Referências:
Martins, C.B. G, & Jorge, M. H. P. M (2010). Maus-tratos infantis: um resgate da história e das políticas de proteção. Acta Paulista de Enfermagem, 23(3).
Maia, ., Guimarães, C., Carvalho, C., Capitão, L., Carvalho, S., & Capela, S. (2007). Maus-tratos na infância, psicopatologia e satisfação com a vida: um estudo com jovens portugueses.
Souza, C. M. G., & Reis, M. (2006). Os efeitos da punição sobre o comportamento de crianças e adolescentes. Revista de psicologia [Versão Online].
Canaan, S., Neves, M. E., Silva, F., & Rober, A. (2002) Compreendendo seu filho: uma análise do comportamento da criança. Belém: Paka-Tatu.