Pixabay
O Dia das Crianças geralmente é sinônimo de muitos presentes, doces e festa. Apesar do apelo comercial da data, esse dia também é uma ocasião para nos atentarmos ao modo como estamos lidando com os pequenos.
Atualmente, em decorrência das transformações culturais, políticas e econômicas pelas quais a sociedade vem passando e com a exigência de jornadas de trabalho cada vez mais extensas, é comum que, para lidar com a própria culpa, alguns pais tentem compensar sua ausência com bens materiais, como brinquedos, celulares, computadores, viagens etc. No entanto, nada pode substituir a importância da presença parental na formação das crianças: a família é a principal influência norteadora da constituição da personalidade da criança e o desenvolvimento de habilidades sociais na primeira infância está fortemente vinculado ao contexto familiar (MONDIM, 2008). O bom funcionamento familiar, a existência de vínculo afetivo, o apoio e monitoramento parental são fatores que reduzem a probabilidade de diversos problemas de comportamento no futuro, como o uso de drogas e o engajamento em atos infracionais.
Nas últimas décadas, a demanda por atendimento psicológico para crianças tem aumentado cada vez mais, e é consenso entre os psicólogos que na maioria das vezes, os problemas de comportamento das crianças têm como objetivo conseguir a atenção dos pais: você já percebeu que, geralmente, quando a criança está brincando quietinha, isso passa despercebido, mas basta um comportamento inadequado para que os pais corram repreendê-la? A questão é: para crianças, não importa que você esteja dando uma bronca, desde que você esteja prestando atenção nela. Dessa forma, quanto menos atenção a criança está recebendo, mais frequentes e intensos serão os comportamentos-problema. Muitas vezes, basta que os pais passem a fornecer atenção e elogios aos comportamentos adequados, para que os inadequados diminuam de frequência.
Além dos efeitos sobre os comportamentos-problema, a atenção dos pais também é responsável pela construção da autoestima dos filhos: como qualquer outro sentimento, a autoestima não nasce conosco e deve ser desenvolvida durante a vida. Dessa forma, o reconhecimento que os pais expressam ao filho pelos seus comportamentos e conquistas é fundamental no desenvolvimento do amor próprio (GUILHARDI, 2002). É importante, entretanto, que os pais certifiquem-se de fazer com que a criança se sinta amada tanto nas vitórias quanto nas derrotas.
Se tratando da educação das crianças, é comum que os pais transitem entre a repressão e a permissividade: enquanto um modelo diz respeito aos castigos corporais (beliscões, palmadas, puxões de orelha) e à retirada de algo importante para a criança (ex. ficar uma semana sem videogame), o outro refere-se à ausência de limites, e ambos têm efeitos nocivos sobre o comportamento das crianças, acarretando em prejuízos ao processo educativo dos filhos.
Como sabemos, a utilização de punição corporal na educação dos filhos é proibida desde 2014: a lei 13.010 aponta que “a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto”. A literatura científica aponta que o maltrato é o fator de risco mais fortemente associado com o desenvolvimento de psicopatologias: o abuso e a negligência causam efeitos profundamente negativos no curso de vida da criança, podendo comprometer a cognição, linguagem, desempenho acadêmico e desenvolvimento sócio-emocional (MAIA, 2005). Sabemos também que o uso de punição, tanto corporal quanto outras formas mais brandas, acarreta em efeitos emocionais na criança (como sentimentos de raiva, medo e ansiedade), além de só suprimir o comportamento inadequado quando a pessoa punidora (o pai que exerceu a punição) está presente: isso faz com que a criança passe a fazer “arte” escondida e a mentir para os pais. Além disso, ao se utilizar da punição, estamos fornecendo um modelo de agressividade para as crianças, que aprendem grande parte de seu repertório por imitação, e tendem a repetir os atos agressivos.
A ausência de punição, no entanto, não é sinônimo de permissividade: para ensinar aos filhos o que é correto, devemos estabelecer e explicitar limites, sermos claros e consistentes e garantir que os limites sejam respeitados, elogiando, dando atenção e afeto aos filhos quando seguirem as regras estabelecidas. Alguns pais podem imaginar que as crianças se sentem amadas quando podem fazer o que querem: no entanto, elas precisam de limites saudáveis e razoáveis, e a preocupação e supervisão dos pais é o que faz com que elas se sintam amadas.
Se você, por diversos motivos, não pode passar grandes quantidades de tempo com seu filho, invista na QUALIDADE do tempo que passa com ele: demonstre interesse, ouça atentamente as suas histórias, se esforce para compreender seus problemas. Compensar a ausência com presentes pode fazer com que a criança supervalorize as coisas materiais em detrimento dos momentos preciosos com quem se ama, e que pense que o dinheiro pode comprar tudo. Nesse dia das crianças, tudo bem presentear seu filho com um carrinho, uma boneca ou um xbox, mas não se esqueça de que o presente deve ser acompanhado por um caloroso abraço e um “eu te amo”.
Referências:
Mondin, E. M. C. (2008). Práticas educativas parentais e seus efeitos na criação dos filhos. Psicologia Argumento, 26 (54), 233-244.
Canaan, S., Neves, M. E., Silva, F., & Rober, A. (2002) Compreendendo seu filho: uma análise do comportamento da criança. Belém: Paka-Tatu.
Guilhardi, H. J. (2002). Auto-estima, autoconfiança e responsabilidade. In M. Z. S. Brandão et al. Comportamento humano: tudo ou quase tudo que você queria saber para viver melhor. Santo André: Editora Esetec. 63-98
Maia, J. M. D., & Williams, L. C. A, (2005). Fatores de risco e fatores de proteção ao desenvolvimento infantil: Uma revisão da área. Temas em Psicologia, 13(2), 91– 103.