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Ansiedade e contemporaneidade: estamos cada vez mais ansiosos?

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Você já se percebeu com um leve desconforto no estômago, coração acelerado, mãos suando e tensão muscular? Dificilmente diria que não. Se essas sensações corporais estavam acompanhadas de expectativas de eventos futuros, provavelmente estava se sentindo ansioso. Muitas pessoas se identificam com esse padrão e acreditam que o dia a dia agitado tem dado um toque “especial” a sua ansiedade. Esse texto visa identificar possíveis explicações para esse fenômeno e te ajudar a responder a seguinte pergunta: porque sinto que estou cada vez mais ansioso?

O modelo atual de convivência e desempenho social está adoecendo pessoas todos os dias. A ansiedade está cada vez mais enraizada nos nossos planos de ações e nos sentimos cada vez menos capazes de controlá-la. Antes de nos aprofundarmos sobre esse tema aplicado ao nosso contexto atual, faz-se necessário percorrermos uma trajetória histórica para compreendê-lo.

Por incrível que pareça, a ansiedade tem adquirido funções adaptativas ao nosso organismo ao longo da evolução da espécie humana. Soa até inusitado compreender que essas sensações tão inoportunas podem ser funcionais ao homem. Para tentarmos analisar essa asserção, tentarei exemplificá-la fazendo você imaginar o cotidiano perigoso dos nossos ancestrais.

Ao conviver com situações instáveis e o risco de morte eminente, é essencial que o homem das cavernas esteja em constante vigilância para sobreviver e preservar sua espécie. Diante de situações perigosas, geralmente ele tem duas opções: fugir ou enfrentá-la. Logicamente, é funcional e interessante a ele que desenvolva habilidades comportamentais para lidar com situações de ameaça. Porém, nem sempre ele terá táticas suficientes para enfrentar um leão faminto, por exemplo. Imaginemos que, ao certificar-se do risco de morte que a presença do leão traz, o sistema autônomo do seu corpo é ativado. A partir de agora, seu organismo está preparado para lidar com essa situação de forma mais rápida e efetiva, considerando todas as rotas de fuga e liberando hormônios que intensificam o ritmo cardíaco, direcionam uma maior quantidade de sangue para os seus músculos e pernas – para que corra com mais eficiência, sua respiração é mais rápida e sua pressão arterial aumenta. Tudo isso é estrategicamente preparado pelo corpo para que ele fuja e sobreviva.

Supomos que, diante desse contexto, uma primeira resposta de fuga é emitida e o perigo foi evitado com sucesso. Agora, diante de uma nova situação potencialmente perigosa, podemos prever que a própria ansiedade que antecipa o medo em vivenciá-la pode se tornar condição para a emissão de um novo comportamento de fuga.  Em outras palavras, se o indivíduo está sentindo ansiedade, a tendência é que ele se esquive da situação que a gerou (Sidman, 1989/2009).

Agora que compreendemos melhor a função que a ansiedade tem adquirido ao longo da nossa história evolutiva, podemos prosseguir para analisá-la em situações cotidianas e contextualizá-la em uma condição fóbica.

Skinner (1953/2005), ao destacar o problema da ansiedade fóbica, afirmava que a própria presença da ansiedade pode nos sinalizar um estímulo aversivo e aumentar a probabilidade de respostas de fuga/esquiva, uma vez que foi estabelecida uma relação de contiguidade entre a ansiedade e o perigo. Portanto, a ansiedade pode ser aversiva o suficiente para evocar respostas de fuga/esquiva, mesmo que não saibamos, exatamente, o que estamos evitando.

Como já citado, a ansiedade “saudável”, de fato, é útil a nós. Ao funcionar como um alerta de situações que nos causam danos reais ou até mesmo como um “gás” para darmos o nosso melhor em uma prova, por exemplo – se utilizamos esta como o alvo da ansiedade –, podemos conviver com ela normalmente (Teles, 2018). Entretanto, a ansiedade a nível patológico não tem mostrado nenhuma utilidade ao nosso organismo e no nosso cotidiano. Ao contrário disso, pode interferir amplamente no funcionamento e na manutenção de comportamentos saudáveis.

Utilizemos o exemplo do estudante que faz provas acadêmicas. A imersão num contexto coercitivo lhe diz, diariamente, que ele deve estudar para ser aprovado e as conseqüências que terá caso não estude. As perdas e sanções que pode sofrer envolvem não somente a punição do comportamento inadequado por parte da escola (não estudou, nota zero!) e por parte dos pais (perda de benefícios – videogame, sair com os amigos, mesada, etc.) como também a ansiedade diante de futuras provas, a procrastinação dos estudos, sentimentos de raiva e aversão ao contexto acadêmico, evitação de assuntos relacionados, entre outros. Existem diversas variações dos subprodutos que vêm inclusos no pacote.  

Essa diversidade de efeitos colaterais evidencia o que alguns autores descrevem sobre o problema das punições severas (Sidman, 1989/2009; Skinner, 1953/2005). Ao definir o condicionamento operante, Skinner afirma que comportar-se diante de um estímulo condicionado à contingência primordial é funcional ao sujeito, pois à medida que comportamento de fuga é reforçado – por retirar estímulos aversivos do contexto, no caso do reforçamento negativo – , a probabilidade de ele ocorrer novamente é aumentada. A partir dessa concepção, é inteligível que a intenção do estudante acadêmico é afastar-se de contextos aversivos ou da possibilidade de vivenciá-los.

Ao se aprofundar nos problemas da apresentação da punição severa, Skinner também tratou da punição sem aviso prévio. Segundo o autor, um sujeito que viveu eventos aversivos “incidentais”, ou seja, sem aviso de que algo ruim estava por vir ou sem saber qual comportamento gerou tal consequência, não é capaz de distinguir os estímulos que lhe sinalizam o perigo e, geralmente, não encontra outra saída para se comportar a não ser se esquivar. Pessoas que possuem um repertório de esquiva altamente elaborado são vigilantes e constantemente pensam: “algo de errado está prestes a acontecer” (Skinner, 1953/2005).

Por mais que a ansiedade seja distinta do evento aversivo em si, Skinner (1953/2005) relata que também nos esquivamos da ansiedade. Dessa forma, comportamentos reforçados negativamente não estão somente sob controle de estímulos que sinalizam o perigo, mas também dos sentimentos que o precedem. Nesse ponto, o autor afirma que a ansiedade pode até suprimir a aprendizagem de novos comportamentos, uma vez que o sujeito vive se esquivando. A tendência da restrição excessiva é ficarmos cada vez mais vigilantes à situações "potencialmente" perigosas – aqui, devemos nos lembrar que essas situações dizem respeito a história comportamental individual de cada um – e menos sensíveis às vantagens de nos expormos a novas experiências e, possivelmente, obtermos ganhos com elas. 

Portanto, se o estudante tem que estudar para a prova acadêmic que será realizada semana que vem, há uma alta probabilidade de ele se sentir ansioso diante da quantidade de livros que tem que ler, de emitir comportamentos de procrastinação do estudo ou até mesmo de não estudar. Uma vez que o comportamento de estudar fica sob controle de contingências aversivas e não de contingências que valorizam os comportamentos adequados, a curiosidade por aprender coisas novas passa a não importar mais.

Sidman (1989/2009) tem uma posição consistente ao afirmar que o controle coercitivo é responsável pela maioria dos problemas sociais. Constantemente, nos vemos obrigados a fazer coisas para evitar sanções e isso implica dizer que nos esquivamos o tempo todo.

Do ponto de vista de Sidman (1989/2009), o controle coercitivo resulta em desajustamento social e capacidade reduzida para engajamento construtivo. A inflexibilidade diante de eventos torna-se uma característica notável de indivíduos extremamente ansiosos, marcados pela coerção excessiva e a esquiva de sentimentos aversivos. Tudo aquilo que é seguro e previsível passa a ser a sua experiência diária e sua rotina é contemplada por comportamentos estereotipados e mecânicos.

Portanto, o excesso de controle coercitivo, combinado com uma instabilidade emocional para lidar com eventos aversivos, torna o reforço positivo ainda mais valioso, à medida que o acesso a essa conseqüência vai se tornando cada vez mais difícil na vida do sujeito.

Não é novidade que a contemporaneidade, juntamente com inúmeros avanços tecnológicos, permite o fácil acesso a vários reforçadores imediatos. Um dos instrumentos que foram desenvolvidos para diminuir a taxa de respostas para obter o que queremos, que temos a nossa disposição constantemente e nos permite acesso a um número exorbitante de reforçadores é a internet.

Segundo Ewald et al. (2017), a busca de algo nas redes sociais que visa o afastamento de sentimentos desagradáveis é um fator identificado em várias pessoas que as utilizam. Isso também significa dizer que estar constantemente conectado a uma realidade paralela pode favorecer déficits de habilidades para lidar com os conflitos reais do indivíduo, que deixa em segundo plano os aspectos relevantes à manutenção das relações humanas e da própria vida. Estamos cada vez menos tolerantes a frustração e mais conectados a uma realidade que nos livra dela.

Bauman (1998) afirma que o sofrimento está intimamente relacionado ao estilo de vida na contemporaneidade. É impossível descartar o mundo em que o sujeito se constrói e o momento histórico como parte da experiência do sujeito que se comporta socialmente (Ewald et al., 2017).

Com o avanço da facilidade para se alcançar objetivos, do sucesso e do bom status social, a promoção do sentimento de inferioridade e inadequação naqueles que não alcançam esses prestígios é cada vez maior. É nesse cenário que vemos pessoas com a sensação de que não sabem lidar com os seus problemas e com o outro.

As redes sociais, por exemplo, nos possibilitam sermos quem quisermos. Não é nada difícil vermos publicações de fotos e frases que transmitem conceitos de liberdade, felicidade e qualidade de vida. Entretanto, é ali que enxergamos o conceito de liberdade paradoxal: indivíduos são “livres” para realizarem seus desejos que sempre estão condicionados ao alívio diante de tantos problemas, de uma busca por aprovação social ou até o resgate de uma felicidade perdida (Ewald et al., 2017).

A pressão social para alcançar status e sucesso tem se tornado a motivação central de várias escolhas que realizamos. A liberdade na modernidade é uma ideia camuflada de que você pode ser livre, porém, somente se alcançar a felicidade. De acordo com Ewald et al. (2017), a ansiedade tem se tornado um sintoma derivado da sensação de impotência do homem contemporâneo. Diante de tantos meios de coerção, ele acredita que não é capaz de lidar com os seus problemas, o que o faz recorrer às medidas mais rápidas para aliviar tal sofrimento.

Num contexto onde a felicidade é um dever e o desempenho é a engrenagem que move o mundo, o homem passa a se ver como uma máquina ultrapassada, um instrumento inútil perante a sociedade bem sucedida e, por mais que tente, não consegue acompanhar e cumprir as regras rígidas que lhe são estabelecidas (Ewald et al., 2017).

O sofrimento passa a ser tratado, então, isoladamente de todo o contexto histórico-social em que estamos vivendo. O cenário contemporâneo é totalmente retirado de cena e todas as possibilidades de síndromes, transtornos e deficiências são direcionadas ao indivíduo, que agora é diagnosticado e pertencente a um campo banalizado (Ewald et al., 2017).

A imposição de ideais de liberdade e felicidade acabam sendo, então, as molas propulsoras da ansiedade desenfreada na contemporaneidade. O paradoxo do tempo pós-moderno nos diz que podemos ser e ter o que quisermos, instigando o sentimento de que os seus desejos podem ser facilmente realizados (Ewald et al., 2017). Entretanto, é exigido do sujeito um ritmo frenético, a corrida pela competição e de desempenhar o melhor de si para alcançar os seus ideais, como se a felicidade estivesse no topo da montanha inalcançável e que não há mais fôlego para continuar escalando.

Atentar-se para a relação do sujeito com o seu contexto histórico-social tem se tornado cada vez mais importante e condição necessária para compreender demandas psicológicas. Estamos em constante envolvimento com a realidade que nos cerca e cada vez mais afetados, emocionalmente, pela coerção exercida por ela. A análise funcional de um comportamento deve sempre compreender o indivíduo na sua integralidade, abrangendo todas as suas experiências e os níveis de contextos que selecionam seus comportamentos para, assim, encontrarmos as raízes desencadeadoras dos sintomas.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Z. O mal-estar na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998.

EWALD, A. et al. Contemporaneidade e sofrimento psíquico: Relações entre modos de vida e demandas psicoterapêuticas. Psicologia Argumento, v. 30, n. 68, p. 119–129, 2017.

SIDMAN, M. (2009). Coerção e suas implicações. (R. Azzi; Andery, M.A, Trads.) Campinas: Editora Livro Pleno. (Originalmente publicado em 1989).

SKINNER, B. F. (2005). Science and human behavior. 2 ed. Society. (Originalmente publicado em 1953).  

TELES, L. O cérebro ansioso: Aprenda a reconhecer, prevenir e tratar o maior transtorno moderno. 1 ed. São Paulo: Alaúde Editorial, 2018.